Quinze Anos de Lentes de Contato

Publicado por: Paulo Ricardo de Oliveira em 17/10/2017


Paulo Ricardo de Oliveira
Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Presidente da SOBLEC 1995-1997 e 1997-1999, Presidente do International Medical Contact Lens Council 2010-2012 e 2014-2016, Oftalmologista do Instituto Panamericano da Visão

Há 15 anos o Brasil ganhou a primeira edição da revista Universo Visual. Entre os bons artigos publicados neste período, muitos tiveram como principal tema as lentes de contato. Assim, esta prestigiosa revista acompanhou e participou da evolução das lentes de contato no Brasil de 2002 a 2017.

As lentes de contato são um recurso extraordinário. O seu uso é motivo de alegria para muitas pessoas por dar-lhes a condição de enxergarem sem óculos, trazendo-lhes uma agradável sensação de liberdade. Para atletas, que apresentam problemas de visão, estão associadas à capacidade e segurança na prática de esportes. Para outros representam uma melhora da estética equivalente ou mesmo superior a uma cirurgia plástica bem sucedida. Existem ainda aqueles que têm, nas lentes de contato, a única opção para verem o que precisam em tudo que fazem.

Muita coisa mudou na Oftalmologia durante este tempo e as lentes de contato fazem parte deste processo. Novos materiais, desenhos mais compatíveis com a topografia e a fisiologia da córnea e modernas tecnologias tornaram-nas mais sofisticadas, seguras, eficientes e com um número ainda maior de indicações.

Não é possível escrever sobre lentes de contato no Brasil, sem mencionar a atuação da SOBLEC, que há 46 anos, além de atuar nas áreas de córnea e refração, contribui para a divulgação, modernização e ensino da adaptação de lentes de contato no nosso país, orientando e treinando os oftalmologistas e seus auxiliares. Nos últimos 15 anos, utilizando os mais modernos recursos de informática e mídia, a SOBLEC desenvolveu um extraordinário e pioneiro programa de educação continuada à distância, beneficiando estudantes, residentes, oftalmologistas e seus auxiliares e até mesmo informando a população geral, sempre com seriedade, responsabilidade e ética.

Sem deixar de usar os recursos tradicionais, aproveitando a tecnologia avançada disponível na atualidade e contando no seu quadro social e científico com palestrantes, que estão entre os maiores conhecedores do assunto no Brasil, fortaleceu sua credibilidade no país e adquiriu credibilidade internacional, sendo na atualidade, o pilar mais importante do Conselho Médico Internacional de Lentes de Contato (IMCLC), ao lado das sociedades americana, européia e japonesa.

O advento de materiais de alta permeabilidade ao oxigênio propiciaram a produção de lentes mais seguras e confortáveis. A produção em série e com baixo custo viabilizou a existências das lentes de contato descartáveis de uso único, que tem ganhado a preferência de grande parte dos usuários, especialmente nos Estados Unidos, em alguns países da Europa e no Japão. No Brasil, a sua utilização tem crescido de forma relevante e são as mais indicadas para uso ocasional.

Os novos materiais rígidos gás-permeáveis tornaram possível a criação de novos desenhos e diâmetros para córneas irregulares, aumentado a taxa de sucesso na adaptação destes casos difíceis.


Lente de contato monocurva em Ceratocone.

A utilização de uma lente de contato gelatinosa sob uma lente de contato rígida gás-permeável, técnica chamada de adaptação a cavaleiro, com os novos materiais, passou a apresentar baixo risco de complicações, proporcionando o conforto das lentes de contato gelatinosas, com a qualidade de visão das lentes rígidas. São suas principais indicações a intolerância às lentes de contato rígidas e a dificuldade de centralização e estabilização sobre a córnea. É recomendável adaptar uma lente de silicone-hidrogel de grau baixo e sobre ela, uma rígida gás-permeável. Como não se recorre à adaptação a cavaleiro sem antes tentar uma rígida, adapta-se sobre a de silicone-hidrogel a rígida que tiver mostrado o melhor padrão de adaptação. O poder da rígida é determinado por sobre-refração. Ambas precisam apresentar mobilidade para que haja adequada troca lacrimal sob as duas.

Apesar da importância de avanços como as lentes de contato de silicone-hidrogel, lentes de descarte diário, lentes rígidas de alta transmissibilidade ao oxigênio, lentes de curva reversa para pós-cirurgia refrativa, lentes de ortoceratologia para correção temporária da miopia e para controle da sua evolução em crianças e adolescentes, o que mais causou repercussão no meio médico e que talvez tenha trazido mais benefícios para os pacientes, foi o surgimento das lentes rígidas de diâmetro grande, maior do que o da córnea, as semi-esclerais e esclerais. Surgidas em 1880 o seu material não-permeável ao oxigênio, o vidro e o desenho simples inviabilizaram o seu sucesso. Na última década, feitas com material de alta permeabilidade e desenhos sofisticados, computadorizados, ganharam popularidade entre médicos e pacientes.

Na atualidade, as lentes rígidas, quanto ao seu diâmetro ou a sua zona de apoio, podem ser classificadas em corneais, com diâmetro igual ou menor do que o da córnea, ou seja, até 12,5 mm aproximadamente. As maiores do que a córnea podem ser classificadas em semi-esclerais de 12,50 a 15 mm e esclerais de 15 a 25mm de diâmetro. As de 15 a 18 mm são também chamadas de mini-esclerais.

Estas medidas podem variar ligeiramente dependendo do autor da classificação, mas o mais importante é que vieram resolver o problema de pacientes que há anos não conseguiam enxergar bem e apresentam conforto e acuidade visual muitas vezes surpreendentes.


Lente de contato escleral

Lente de contato semi-escleral

Apesar da grande evolução da cirurgia refrativa, dos diferentes desenhos e materiais do anel intra-estromal, dos diferentes tipos de transplante de córnea e da moderna cirurgia da catarata, muitos pacientes não alcançam uma visão satisfatória e as lentes de contato, frequentemente, voltam a ser a melhor opção ou mesmo a única, em determinados casos, capaz de fazê-los enxergarem o suficiente para trabalharem e desenvolverem suas atividades habituais.

No Brasil, produzem lentes esclerais e semi-esclerais as empresas Solótica, Mediphacos, Ultralentes e outras que estão entrando neste mercado. Lentes com desenhos que apresentam diferentes opções de curvatura, zona óptica, diâmetro, elevação da borda, toricidade e mesmo assimetria estão à disposição dos oftalmologistas.

São lentes fantásticas, mas não são para todos os casos. Sua adaptação é complexa e suas indicações são específicas e devem ser restritas aos casos em a utilização de lentes mais simples não é viável. Por isso, mesmo que o oftalmologista seja experiente na adaptação de lentes de contato, ele deve ter um canal de comunicação com um consultor da empresa responsável pela fabricação ou distribuição das lentes que ele utiliza, para tirar dúvidas e buscar soluções para seus pacientes.

Quanto à técnica de adaptação, embora haja uma orientação geral, cada marca e desenho tem suas peculiaridades e a melhor conduta é seguir a orientação do fabricante, que acompanha ou deve acompanhar a caixa de prova.

Enfim, com todo este progresso, a adaptação de lentes de contato, mais do que nunca, tornou-se uma subespecialidade da oftalmologia e, como todas as outras, requer esforço, investimento e sobretudo conhecimento e atualização constante. Isto, entretanto, não significa que o oftalmologista não especialista não deva trabalhar com lentes de contato. Ao contrário, é muito importante que trabalhe, que ocupe o espaço e caso não queira envolver-se com os casos mais complexos, os encaminhe para um colega mais experiente, não deixando o paciente sem a devida orientação.

Parabéns à Revista Universo Visual, que nestes 15 anos acompanhou e divulgou o progresso das lentes de contato e da Oftalmologia brasileira como um todo.